Jornalistas refugiados

Jornalistas Refugiados

Texto por Lia Gomes e Miguel Pachioni
Fotos por Bruno Santos/Folhapress

26 de janeiro 2021

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As histórias de Carlos, Claudiane, Kamil e Victorio têm como plano de fundo a escalada de conflitos e cerceamento à liberdade de imprensa em suas respectivas terras natais: Venezuela, República Democrática do Congo, Turquia e Síria.

Refugiados jornalistas

Texto por Miguel Pachioni
Fotos por Bruno Santos/Folhapress

26 de janeiro 2021

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As histórias de Carlos, Claudine, Kamil e Victorio têm como plano de fundo a escalada de conflitos e cerceamento à liberdade de imprensa em suas respectivas terras natais: Venezuela, República Democrática do Congo, Turquia e Síria.

Para salvar suas vidas, eles tiveram que fugir.

Perseguidos por retratarem publicamente as realidades vividas em seus países, quatro jornalistas se viram forçados a deixar a República Democrática do Congo, a Síria, a Turquia e a Venezuela para preservar suas vidas. Tornaram-se, a partir do momento em que cruzaram as fronteiras, solicitantes da condição de refugiado. Já são cerca de 80 milhões as pessoas forçadas a se deslocar pelo mundo, número que representa, aproximadamente, 1% da população mundial.

O deslocamento forçado causado por guerras, violação dos direitos humanos e por perseguições relacionadas com raça, religião, nacionalidade, grupo social ou posicionamento político gera, historicamente, a necessidade de proteção internacional e acolhimento digno. Para assegurar os direitos dessas pessoas, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), uma organização humanitária que trabalha há mais de 70 anos para salvar vidas, proteger os direitos e construir um futuro melhor para as pessoas forçadas a deixar suas casas, sem deixar para trás seus conhecimentos e aspirações.

Conforme contam os repórteres da Folha de S.Paulo, Carlos, Claudine, Kamil e Victorios encontraram segurança no Brasil. Fica aqui o convite para que você, por meio das (sobre)vivências destes quatro jornalistas, se interesse por essa imensidão de realidades de pessoas em deslocamento forçado.

Refúgio ao redor do mundo

Refugiados venezuelanos ao redor do mundo

Deslocados internos na RDC

Refugiados na Turquia

Refugiados sírios

Fonte: ACNUR – Relatório Global Trends 2020

Venezuela, o maior êxodo da história recente da América Latina

“Mandaram que eu passasse para o banco de trás e comecei a levar socos e coronhadas. Começaram a falar coisas muito específicas do meu trabalho e da minha rotina. Daí percebi que não queriam só levar meu carro.”

—Carlos, jornalista venezuelano, 45 anos

Desde 2014, a Venezuela enfrenta uma escalada de violência, insegurança e ameaças, assim como da falta de alimentos e dificuldade no acesso à serviços básicos. O conflito na região levou a mais de 5 milhões de pessoas abandonarem suas casas e procurarem segurança nos países vizinhos da América Latina, gerando o maior êxodo na história recente da região.

A situação instável e a constante violação dos direitos humanos também foram refletidas na liberdade de imprensa no país. Hoje, a Venezuela ocupa uma das últimas posições no ranking e está em 147 lugar de 180 países.

Carlos está entre os milhões de jornalistas que sentiram na pele a ameaça: após ser silenciado pela redação e sequestrado, ele se refugiou no Brasil. Apesar de não trabalhar hoje em dia com a profissão, Carlos carrega como amuleto uma câmera ideal para gravações em movimento e apenas espera o momento perfeito para usá-la.

 

República Democrática do Congo, uma das zonas mais instáveis do continente africano

“Quando colocaram fogo na minha casa, eu percebi que tinha que parar. Parar. Eu fui atrás de duas coisas que eu salvei. Você pode imaginar o que eu salvei? Comecei a salvar meu filho e meus diplomas.”

—Claudine, jornalista, 43 anos

Apesar de ter passado por um processo eleitoral pacífico em 2018, a situação humanitária na República Democrática do Congo é preocupante. Até 2020, 6 milhões de pessoas deixaram tudo para trás, a medida em que ondas de violência ameaçam a integridade física de seus habitantes, destroem os meios de subsistência e cerceiam a liberdade de imprensa do país.

Em um ato de coragem, Claudine coordenou uma série de reportagens sobre crianças levadas à força para integrar o Exército. “Criança precisa estudar, criança precisa brincar. Criança é criança. A criança não pode ser responsável por uma arma, por um fuzil!”.

Apesar de já ter sido ameaçada no passado, Claudine conta que essas reportagens foram a gota d’agua para governantes locais. Quando sua casa foi incendiada, ela percebeu que deveria partir.

 

Turquia, o país que mais acolhe refugiados é o segundo no mundo que mais prende jornalistas

“Não sou terrorista, minha única arma sempre foi a caneta. Meu coração está partido e não tem cura, fui acusado e castigado por algo que não fiz.”

—Kamil, jornalista, 36 anos

Apesar de ser o país que mais abriga refugiados no mundo, a Turquia enfrenta um aumento nas violações dos direitos humanos e ameaças a liberdade de expressão. Desde a tentativa de golpe em 2016, que resultou em 250 mortos e mais de 2 mil feridos, agências de notícia sofreram influência direta do governo turco e milhares de jornalistas se viram forçados a deixar seu país em busca de segurança.

Kamil já trabalhava no Brasil desde 2010 como correspondente internacional quando o jornal turco que trabalhava foi fechado pela polícia e 46 de seus colegas foram presos. Ele e sua esposa Sama decidiram permanecer no Brasil e criar sua primeira filha, Ayla, em um ambiente seguro e que são bem-vindos.

Até hoje Kamil carrega os resquícios de sua vida como correspondente: uma mala cheia de equipamentos jornalísticos como câmera, tripé multifuncional, microfones, lentes, blocos de anotação. “Hoje só uso a câmera para fotografar a filha e os pratos de meu restaurante”, diz.

 

Síria, uma guerra de dez anos

“Deixei tudo lá. Eu não pude levar nada. Quando cheguei à fronteira, fui informado de que não poderia levar nada comigo, nem mesmo meu telefone. Isto foi a única coisa que eu comprei ali, em Damasco. Dali, fui para a fronteira com o Líbano.”

—Victorios, jornalista, 45 anos

Há uma década, a Síria vive em guerra. Estima-se que 11 milhões de pessoas entre refugiados e deslocados internos abandonaram suas cidades para escapar do conflito na região. Desses, 35% são crianças que estão fora da escola. A situação do país é devastadora e necessita cada vez mais de ajuda humanitária, uma vez que cidades inteiras foram destruídas e os meios de subsistência estão cada vez mais escassos, aumentando os índices de trabalho infantil e casamento forçado. 

Além de estarem em um cenário ameaçador, para os jornalistas sua profissão também é risco de vida. Após fazer uma série de vídeos viriais entre TVs do Oriente Médio e na internet sobre os conflitos e os protestos em Daraa, sua cidade natal, Victorio começou a ser perseguido por homens armados e levou um tiro no pé. “Ir a hospitais seria perigoso porque todos estavam sob controle das forças armadas do Estado. Eles me matariam, especialmente sendo um jornalista”, disse. 

Sua jornada durou três anos, desde que deixou a Síria em 2012 até encontrar refúgio no Brasil. Atualmente, mora em São Paulo, mas ainda sonha em retornar para sua cidade natal. 

 

Você, jornalista, profissional ou estudante de comunicação, pode acessar o Guia do ACNUR de Cobertura Jornalística Humanitária clicando aqui.

Você, professor/a e educador/a, pode acessar o material educativo da exposição clicando aqui.


Os relatos destes jornalistas conferem materialidade, rosto e sentimentos aos dados dos rankings de liberdade de imprensa e nos ajudam a entender como se dá, na prática, a intimidação de governos contra meios de comunicação e seus profissionais” – Flávia Mantovani, jornalista da Folha de S.Paulo e uma das coordenadoras do projeto. Saiba mais sobre as histórias dos jornalistas refugiados em www.folha.com/jornalistasrefugiados. Conheça os projetos do centenário da Folha de S.Paulo em www.folha.com/folha100anos
Conheça mais sobre o Memorial da América Latina pela página: https://memorial.org.br