Famílias em Cabul lutam para sobreviver durante e depois do inverno

Meses depois de fugir para a capital do Afeganistão, a ajuda é a única salvação para muitas famílias deslocadas

Mullah Ahmed e alguns de seus filhos sentam-se perto do fogão em sua acomodação temporária em Cabul. © ACNUR / Andrew McConnell

Os filhos de Mullah Ahmed* olham para as chamas no interior do pequeno fogão da família. O brilho quente em sua casa de tijolos de barro é um alívio bem-vindo contra o frio do inverno em Cabul. 


Mas, ao tirar uma chaleira do fogão, Mullah solta uma explosão de vapores nocivos. Ele está queimando tiras de carpete velho e outros resíduos combustíveis que encontrou nas ruas. “O que eu posso fazer?” ele diz. “Não podemos comprar madeira.” 

Essa é uma história familiar de adaptação para sobreviver no Afeganistão. Mas, para Mullah, as opções estão se esgotando. Ele e sua grande família de 14 pessoas estão entre cerca de 700 mil pessoas forçadas a deixar suas casas no ano passado devido ao conflito. Embora o conflito possa ter acabado agora, muitos deslocados internos estão enfrentando uma crise potencialmente mais devastadora causada pelo colapso econômico que se seguiu. 

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) alertou em 3 de dezembro que 23 milhões de afegãos – 55% da população – estão enfrentando níveis extremos de fome, com quase 9 milhões deles em risco de fome. A crise humanitária segue “escalando diariamente”.

Ajuda famílias afegãs a sobreviverem ao inverno. Doe agora mesmo.

“Vivemos de vegetais baratos e pão”

Algumas famílias aproveitaram o fim do conflito e a assistência para retorno disponível através do ACNUR para voltar aos seus distritos de origem, onde estão lutando para comprar comida e combustível e para consertar casas destruídas pela guerra. Mas pessoas como Mullah e sua família, sem casa para onde voltar e sem trabalho, estão enfrentando algumas das situações mais terríveis. A ajuda humanitária é sua única esperança de evitar uma espiral descendente de dívidas e fome paralisantes.

“Vivemos de vegetais baratos e pão”, diz Farishta, de 28 anos, enquanto espera na fila de um prédio na periferia leste de Cabul, onde o ACNUR está distribuindo doações em dinheiro para as famílias deslocadas mais vulneráveis. “Não comemos carne desde que viemos para Cabul, há quatro meses.” 

Doe agora mesmo e ajuda famílias como a de Farishta. Amanhã pode ser tarde demais.

Depois que uma equipe de avaliação da ONU visitou a casa de um cômodo que ela divide com os filhos Rehana e Aslam, 10 e 11 anos, e com o irmão Salim de 20 anos, ela foi designada para receber dois subsídios em dinheiro totalizando US$ 490. O dinheiro a ajudará a arcar o aluguel da casa e os custos de “inverno”, como a compra de um fogão, lenha, cobertores e roupas extras. Para Farishta, que é viúva, a ajuda chegou na hora certa.

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Farishta com seus dois filhos Rehana e Aslam. © ACNUR / Andrew McConnell

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A filha de Farishta, Rehana, senta-se ao sol para tentar se aquecer. © ACNUR / Andrew McConnell

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Farishta e sua filha Rehana. © ACNUR / Andrew McConnell

Ela temia que seu senhorio fosse despejá-los, pois ela não tinha como pagar o aluguel nos últimos três meses. Além do dinheiro ocasional que Salim ganha fazendo alguns serviços, a família tem sobrevivido por meio de empréstimos. “Temos recebido todos os nossos alimentos a crédito”, diz Farishta. 

Seu plano é usar os subsídios em dinheiro para pagar todas as dívidas, mas isso vai gastar metade do dinheiro. “Eu gostaria de poder dar aos meus filhos um futuro melhor, para educá-los, mas estamos sem saída”, diz. 

Cuidar dos filhos não é sua única preocupação. Farishta é originária da província de Takhar, no Norte, onde Salim trabalhou como tradutor para as forças americanas. Enquanto o Taleban se aproximava de Takhar neste verão, Farishta, seus pais e outros irmãos e filhos – cerca de 20 pessoas ao todo – decidiram que sua única opção era fugir do país. 

Eles se dirigiram à província de Nimroz, no Sudoeste, com o objetivo de se unir aos contrabandistas que levam afegãos sem documentos para o Irã. “Mas não podíamos pagar para que todos nós fossemos”, diz Farishta. O resultado foi que seus pais e irmãos mais novos foram para o Irã, enquanto Farishta e Salim viajaram para Cabul. Mas sua família no Irã está lutando e seus irmãos conseguiram apenas encontrar um trabalho mal pago como varredores de rua. Mesmo enquanto tenta cuidar de seus filhos, Farishta teve que enviar dinheiro para ajudá-los, ficando cada vez mais endividada. 

O ACNUR está fornecendo assistência em dinheiro a mais de 20 mil famílias deslocadas na região central do país, que inclui Cabul e as províncias vizinhas. Isso representa um aumento de dez vezes em relação ao ano passado, de acordo com Ahmad Sattar Faheem, associado sênior de repatriação do escritório da agência em Cabul. Grande parte dos deslocados internos estão espalhados em locais onde pagam aluguéis baratos ou moram com parentes. Por algumas semanas após a queda de Cabul, alguns montaram acampamentos temporários na capital, mas a maioria dessas pessoas já voltou para casa. Embora a maioria dos que permanecem tenham um abrigo temporário, suas condições de vida geralmente são terríveis. 

De volta à casa de Mullah Ahmed, seu filho de 6 anos, Assadullah, dá uma tosse áspera enquanto olha para o fogo dentro do fogão. Sua filha mais velha, Farzana, 20, se agacha atrás da chaminé, segurando seu filho de 6 meses, Umaid. O cômodo é pequeno e a fumaça é forte, mas não há aquecimento no outro cômodo da casa, então a maioria da família se aglomera ali. Sua filha de 3 anos, Aseela, descalça e vestindo roupas finas e esfarrapadas, mastiga um pedaço de pão que encontrou no chão.  

Na maior parte do tempo, isso é tudo que a família tem para comer, explica Mullah. “Pego pão velho na padaria e depois colocamos na água para amolecer.” Ele mostra os restos de um simples purê de arroz dentro de uma tigela que eles guardaram. Se ele tem algum dinheiro, ele compra alguns vegetais. 

Passaram-se cinco meses desde que a família chegou a Cabul, depois de fugir de sua casa na província oriental de Nangarhar. Eles tinham uma pequena fazenda lá que costumavam alimentar a família. Mas os combates entre as ex-forças do governo afegão e o Taleban se espalharam pela área e tornaram a agricultura impossível. Mullah decidiu que a única opção era se mudar para Cabul. “Não achávamos que o Taleban também chegaria à capital.” 

Foi a última reviravolta em uma vida definida pela tentativa de se manter à frente das décadas de turbulência política do Afeganistão. Ele e sua família foram refugiados no vizinho Paquistão por quase 20 anos, e só retornaram ao Afeganistão em 2010. Dois anos atrás, seu irmão foi morto em um atentado suicida depois que foi para a cidade de Ghazni, no Sul, em busca de trabalho. Mullah agora está cuidando de sua viúva e dos dois filhos. 

Mullah Ahmed e seu filho de cinco anos transportam lenha de volta para sua casa temporária em Cabul. Ele conseguiu comprar o combustível depois de receber assistência do ACNUR para o inverno

Mullah Ahmed e seu filho de cinco anos transportam lenha de volta para sua casa temporária em Cabul. Ele conseguiu comprar o combustível depois de receber assistência do ACNUR para o inverno © ACNUR/Andrew McConnell

Em Cabul, Mullah inicialmente conseguiu trabalho como carregador na estação de ônibus próxima. “Eu costumava ganhar 100 ou 150 afegãos (US$ 1,50) por dia ajudando as pessoas com a bagagem. Agora tenho sorte se ganhar alguma coisa em uma semana”. Ao mesmo tempo, o custo de bens básicos como farinha e combustível está subindo, enquanto o valor da moeda afegã despenca.

Como Haditha, ele estava conseguido comida a crédito. Mas agora os lojistas locais pararam de atendê-lo. Ele avalia que ainda deve a eles pelo menos 35 mil afegãos (cerca de US$ 350), um fardo esmagador para uma família que praticamente não tem nada. 

“Eu me escondo dos lojistas quando os vejo”, diz Mullah, com uma expressão de dor.

Por enquanto, a família está sobrevivendo da ajuda e dos US$ 265 em assistência para preparação para o inverno que receberam do ACNUR. O dono da casa onde eles estão fugiu enquanto o Taleban avançava, pedindo ao seu vizinho que cuidasse do pequeno complexo. O vizinho ficou com pena de Mullah e sua família e os deixou ficar sem pagar aluguel. Outros vizinhos às vezes lhes dão pão, mas muitos deles também estão lutando. 

“Estou muito preocupado com o resto do inverno”, diz Mullah, olhando para os filhos descalços. “Se não conseguirmos mais ajuda, que Alá nos livre, teremos que começar a implorar”.

* Todos os nomes foram alterados por motivos de proteção.